Considerações sobre o treino de força em crianças e jovens
- .
- 1 de jul. de 2020
- 5 min de leitura
Peso corporal, pesos livres e máquinas de musculação - qual deles é melhor? Há inconvenientes?

Um dos primeiros aspetos a considerar antes de iniciarmos um plano de preparação física com crianças é: do que depende o processo?
Depende da maturidade emocional da criança e não da idade nem da força física da mesma.
Do material disponível.
Da supervisão - um/a professor/a para 10 crianças que estão a iniciar-se no processo talvez seja insuficiente. O ideal seriam 2 supervisores ou então a criação de subgrupos com um número de elementos menor.
Da técnica de execução - exercícios realistas e adaptados ao nível de cada criança.
A criança/jovem gosta de fazer preparação física?

Quanto a este ponto específico, é importante mudar a ideia de que a preparação física é um castigo. Existem formas alternativas de repreender uma criança-atleta, como, por exemplo, tirá-la, efetivamente, do treino durante uns minutos ou comandá-la a uma corrida contínua quando a mesma sabe de antemão que tal atividade não traz benefícios nenhuns ao seu processo de treino (voleibol, especificamente).
Gostar do treino físico resulta num maior empenho e atenção e, por isso, num declínio no risco de lesão.
Outros fatores relevantes
Um dos grandes fatores de sucesso na implementação de um plano de preparação física em escalões jovens é o de igualar a importância do treino físico e do treino com bola. Os atletas, mesmo que "pequeninos", têm de saber que um está fortemente relacionado com o outro e que devem dedicar-se aos dois de igual forma.
Também é fundamental que os programas de treino sejam muito variados, sobretudo com as crianças, de forma a não criar monotonia e a não suscitar-lhes a falsa ideia do "já sei".
Além disso, devem entender que não basta "saber fazer" mas também "saber ajudar" e também pode ser uma boa estratégia criar uma competição, por exemplo, de "Melhor Ajudante". Não só estarão a ajudar os colegas na sua evolução, como também estarão a melhorar a sua perceção corporal e do movimento.

Programa Geral ou Específico?
Programas de treino gerais, com exercícios multiarticulares e que solicitam sempre os principais grupos musculares, fortalecem a fascia na direção do movimento, tornando-o mais eficaz.
A fascia é o tecido conjuntivo que, além de muitas outras funções, mantém os músculos nas suas devidas posições. Daí não poder ser negligenciada, de todo.
Logo, em crianças e jovens, os programas devem ser gerais. Contudo, "geral" não significa "igual para todos". Sempre que possível, o treino deve ser individualizado, tendo em vista o nível, a posição (quando aplicável) e o histórico do atleta (lesões, necessidades especiais, etc.).
Peso Corporal, Pesos Livres e Máquinas de Musculação: Prós e Contras
Peso Corporal
Muito utilizado quando há falta de material, o que acontece regularmente nos escalões de formação.
Enquanto que, no que ao trem superior diz respeito, a carga aplicada pode ser suficiente para produzir efeitos positivos, no trem inferior o peso corporal muitas vezes não é suficiente (é necessário um aumento considerável no volume).
Pode ser uma boa solução para grupos grandes - Ter uma média de 20/30 crianças num ginásio onde, por norma, o número de treinadores não é mais do que 2, é MUITO perigoso.
É relativo! → Criança magra vs. Criança obesa (enquanto numa criança magra o peso corporal pode não ser suficiente para gerar sobrecarga, numa criança obesa o seu peso corporal pode ser excessivo para os exercícios propostos).

Pesos Livres
A pega → Os pesos-livres são bons se as crianças os conseguirem segurar e manobrar → O que acontece com frequência é que a barra é demasiado grossa para as mãos delas.
Iniciação → É muito bom para iniciação porque exige uma aprendizagem da técnica. Serve como preparação para treinos intensos (fase adulta), onde o domínio da técnica é fundamental (há muitos atletas seniores que fazem treino de força com pesos-livres erradamente porque não sabem a técnica de execução).
Técnica – Sistema de Pontos → Nas crianças, o que pode ser feito (e já é realizado nos EUA com frequência) é criar avaliações pontuais da técnica. Para isso, cria-se um sistema de pontos à escolha do/a treinador/a e premeia-se a criança que melhor a executa. → Estímulo para uma boa aprendizagem.
Leque variado de exercícios → Mais versáteis do que as máquinas de musculação.(Exemplo: No ginásio do meu clube não existe máquina para trabalhar o quadricípite. Somente temos uma para treinar os bicípites braquiais. Com os pesos livres, este problema está resolvido.)

Máquinas de Musculação
Articulações → As articulações devem estar alinhadas com o ponto de rotação das máquinas. Ex: Cadeira extensora (leg extension).
Altura do assento → Condiciona a posição das articulações, a menos que seja ajustável, bem como a dos pés.
Pés → Os pés devem poder tocar no chão para conferir equilíbrio e estabilidade. Exs.: Puxadas e/ou remadas.
De uma forma geral, as máquinas de musculação não se adaptam a crianças, sobretudo as que existem nos clubes de voleibol, pois são pensadas, em grande medida, para a utilização dos escalões mais velhos.
Lesões
Uma das zonas corporais mais suscetíveis de lesão, decorrente de um mau planeamento e/ou da incorreta execução prática de um conjunto de exercícios, é a da zona lombar. Este risco pode ser potenciado pela formação de lordoses, derivadas do salto de crescimento das crianças e jovens.
Outros fatores que também contribuem para aumentar o risco de lesão na zona lombar são:
Musculatura lombar pouco desenvolvida nos pré-pubescentes;
Músculos posteriores da coxa muito tensos;
Maior crescimento da zona anterior das vértebras face à posterior.
Como Prevenir?
Fortalecer os músculos da zona lombar e da zona abdominal;
Realizar os exercícios com uma boa amplitude, sobretudo os que solicitam a musculatura posterior dos membros inferiores.
Estrutura de um Programa de Treino
A estrutura de um Programa de Treino Físico pode dividir-se em 3 partes, assim como um plano de treino com bola, essencialmente. São elas:
Protocolo de ativação dinâmico - 5 a 10 min. - protocolo de mobilidade, por exemplo, que também pode ser o de jogo.
Parte fundamental - conjunto de exercícios que promove um equilíbrio entre as articulações solicitadas e que visa um (ou mais) objetivo específico.
Recomendações de um Programa Geral de resistência de força
para crianças de 6/7 anos (Fleck, 2010)
- Começar com 1 série de exercícios e progredir até 3;
- Começar com, aproximadamente, 10 repetições/exercício;
- No início, definir 2 min. de pausa entre as séries (quando aplicável);
- 2 a 3 sessões de treino/semana;
- Ensinar a técnica correta com cargas leves (peso corporal também entra nas contas);
- Não é porque estão a começar que o treino não pode ser desafiante (alternar, por exemplo, exercícios com uma grande componente técnica com exercícios mais intuitivos - puxar/empurrar, lançar/apanhar, etc.)
3. Regresso à calma - exercícios de relaxamento, como, por exemplo, leves "massagens" com uma bola ao colega.
Recomendações Finais
A utilização de registos individuais como forma de controlar a progressão dos atletas é um ótimo preditor do sucesso do planeamento e execução do programa. Contudo, existem outros factores importantes, com interferência direta no treino, que não podem ser descurados, como a recuperação, a nutrição, a hidratação e a qualidade do sono (atenção ao planeamento bidiário - férias - e ao planeamento semanal - treino só de preparação física se for necessário).
Quanto aos factores supra citados, importa referir que os encarregados de educação das crianças/jovens-atletas devem estar envolvidos e igualmente bem informados em relação à necessidade da preparação física e das suas exigências.

Referências Bibliográficas
Fleck, Steven J.. 2010. Benefícios do treino com pesos em jovens atletas, no 11º Seminário Internacional de Treino de Jovens, FADEUP.
Fleck, Steven J.. 2010. Programa de treino com pesos para crianças, no 11º Seminário Internacional de Treino de Jovens, FADEUP.
Brooks, Dr. Cris. 2020. The Science of Training Young Athletes Part 1, Universidade da Flórida, EUA.
Comments